miércoles, 3 de diciembre de 2008

Deus existe e é boliviano ?

Cheguei em La Paz depois de nove horas e meia de viagem. Desta vez, em estrada asfaltada. No ônibus, ao meu lado, estava uma senhora muito espaçosa. Queria dormir como se estivesse em sua cama. Ah, isso me irritou bastante! Minha alma tremia de raiva toda vez que eu olhava de rabo-de-olho aquele pedaço de gente esparramado ao meu lado. Mas como sou um homem moderno e civilizado, eu ria. Ria e apertava minha testa, segurando-me para não dar-lhe uma leve cotovelada e perguntar, com sorriso com raios de simpatia, se ela não queria as duas poltronas. Para desfrutar de tanto espaço assim, deve ser solteira. Ou viúva. Cinco e meia: fui ao hostel que me indicaram. Lotado. Agora, como não me resta outra, estou na Praça Presidente Murillo, esperando o tempo passar. Seis policias estão próximos a mim. Dois jogam cartas. Um deles usa um gorro com o desenho de uma folha de Cannabis. (Mais tarde ele trocou por um boné com a sigla UTOP). Há muitos pombos, parece até a Plaza de Mayo. São seis e meia. Vou esperar uma hora mais e voltar ao hostel, porque sei que não está lotado. O camarada nao quis "aceitar" ninguém naquele horário. Por preguiça, pelo horário um pouco suspeito, sei lá... Está um pouco frio. Não tenho cigarros e estou com muita preguiça de ir comprar, mesmo porque deve estar tudo fechado. Sinto um leve incômodo nas minhas costas. Quero dormir. Que seja logo...
La Paz - Bolívia
26/11/08
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Dito e feito: voltei ao hostel e consegui um quarto com o preço que eu estava disposto a pagar. Gostei muito do lugar. Grande, com uns quarenta quartos. Parece um prédio, com um pátio central que se comunica com todas as partes e andares deste lugar. Conzinhei algo e, ali mesmo na cozinha, conversei com dois franceses que seriam meus companheiros de todas as horas nos meus dias em La Paz. Chloé, uma francesa com um sorriso espontâneo, aberto como o céu, e Simon, um camarada de humor leve e divertido. Neste mesmo dia, nos encontramos por acaso no centro e saímos a caminhar. La Paz é maior que eu imaginava. Uma bagunça danada! Se escuta tanta buzina que já se acostuma, já faz parte do ar. Você se lembra dos "perueiros" que certa época invadiram o centro de Belo Horizonte? Aqui está cheio deles e gritam o nome dos bairros da mesma forma que os de BH gritavam. Bem rápido, alguns arriscam um ritmo mais ousado, por vezes engraçado. Me acostumei com a grandeza de La Paz e gostei muito da cidade. No outro dia acordamos, caminhamos um pouco e fomos almoçar no Mercado Popular. Um belo prato com arroz, bife ou milanesa, salada, batata frita e banana frita. Tudo isso por sete pesos bolivianos. Bem barato, não ? (Queridos compatriotas, aproveitem que Bolívia é tão barato e o Real vale quase 2.80 aqui, e venham conhecer essa maravilha de país. Não acreditem naquela conversa pra doi dormir de que Deus é brasileiro e fez todas as maravilhas por nossas terras.) Estava gostoso, tanto que no outro dia repetimos a dose no almoço. Mas o melhor de tudo foi encontrar lugares onde podíamos jantar por inacreditáveis 3,50 pesos bolivianos. Uma sopa como entrada e, de segundo prato, arroz, uma carne à escolha, salada e batata frita. Perfeito! Éramos sempre os únicos turistas nesses restaurantes. Muito legal comer onde comem os que são daqui ou aqui vivem. Lugar de turista é muito chato! E caro. Os franceses, mesmo estando com euros, não têm frescura e até preferem comer nesse tipo de local. Eu também. Não pense você que eram lugares caindo aos pedaços. Então para almoçar íamos ao Mercado, e para jantar, escolhíamos um restaurante onde podíamos degustar deliciosas comidas por um preço quase inacreditável. Foi muito bom conhecer Chloé e Simon, me senti à vontade com eles, como se os conhecesse desde criança e tivéssemos intimidade para fazer piadas sem graça ou dizer coisas que não se diz à uma pessoa que se acaba de conhecer. Na última noite em La Paz, vinte e oito de novembro, aniversário de minha querida irmã Daniela, saímos para jogar sinuca perto de onde estávamos "parados". Um bar com dez mesas. Ao lado da nossa, uns doze amigos tomavam ron com coca-cola, mascavam coca e se divertiam como crianças. Jogar sinuca parece que era o de menos, o bom mesmo era sacanear o outro e esquecer dos problemas. Nós éramos os únicos "de fora"; Cholé, a única mulher. Nossos vizinhos de mesa nos ofereceram ron com coca-cola. Un poquito no más, gracias. Folha de coca também. Ah, muy amable, gracias. Tiramos foto juntos, nos deram boas vindas e votos de sucesso e boa viagem. Foram muito simpáticos, um até tinha os olhos rasos d'água quando veio falar comigo. Somos feios mas não somos maus, disse com ternura espantosa. Os bolivianos sofrem muito preconceito, são chamados de atrasados, de índios bobos, burros e mal-educados. Ó, Senhor, perdoai tanta ignorância! Eles não sabem o que falam! Jogamos uma hora de sinuca, entre gargalhadas pelas péssimas jogadas e lances engraçados. Depois fomos à uma festa em um local que já conhecíamos. Uma festa boliviana, com música boliviana, com gente boliviana. Um senhor que animava o baile gritou com seu poderoso microfone: Viva França! Viva Brasil! Alguém lhe disse que estávamos ali. Acho que foi José, um camarada que gostou muito de nós três. Dançamos, tomamos cerveja quente e nos divertimos o suficiente para estarmos cansados e felizes. Na manhã daquele vinte e nove de novembro, um sábado com um sol tímido, quase não querendo dar as caras, eu, Chloé e Simon fomos almoçar nos nossos queridos restaurantes. Satisfeitos, nos despedimos com fortes abraços e com promessa de nos vermos em Buenos Aires, já que vamos estar em terras portenhas na mesma semana.
Foi lindo ver as mulheres, com pele de barro marcada pelo sol e pela vida dura, levando suas crias enroladas em mantas nas costas. Vestidas como quem vai para uma Festa Junina, com chapéu e lindas tranças. Foi muito bom estar com toda esta gente. Comendo nos restaurantes populares, dançando, conversando ao pé do ouvido, mascando coca juntos. Que Bolívia é um país muito pobre, com condições precárias, não é novidade pra ninguém. Pedaços de carne expostos ao sol e aos mosquistos são vendidos nos mercados e na rua. Sucos com bolsa plástica e canudinho. Encontrar refrigerante ou água gelados é uma dificuldade homérica. Geladeira gasta muita energia. Mas quê importa? Bolívia é muito mais que isso. É muito mais do que a imagem estúpida que pintam deste país e de seu povo. É muito mais que esse esteriótipo imbecil... Eu convido você a conhecer esse país fantástico. Se você não gostar, procure um médico. Te quiero mucho, Bolivia...
La Paz - Bolívia
29/11/08
* Deixei La Paz e fui para Copacabana. Gostei demais, lugar lindo! Gosto mais da Copacabana boliviana do que da Princesinha do Mar, tão cantada pela bossa-nova e endeusada pelas novelas da Globo. E que os brasileiros chauvinistas não me joguem pedras... Depois escrevo algo sobre minha estada em Copacabana para os poucos, porém nobres, leitores deste espaço.

5 comentarios:

Anónimo dijo...

Mais que perfeito! Adorei!
Um grande beijo,
Luiza

maripimenta dijo...

Quando voltar à Bolívia, me chame que quero ir com vc. Não sei falar espanhol, nunca chegarei nesses lugares todos que descreve. Gostaria que os boliviamos lessem o que vc escreveu, certamente ficariam felizes ou emocionados (eu fiquei). A saudades aumenta a cada post.

Bruno Mateus dijo...

Valeu pelas palavras, Luiza. grande beijo pra vc tbm !!!

Bruno Mateus dijo...

saudades demais, Sargento Pimenta !! bjos !!

Rosario de Fatima dijo...

amei, muito bom, bjs, sua tia