miércoles, 30 de diciembre de 2009

Um pouco de blues argentino



Pappo, Charly García e Botafogo interpretam a linda canção "Desconfio", no festival Cosquín Rock (eu seria leviano em afirmar o ano...). A música é de Pappo, compositor e grande guitarrista argentino (já tocou com B.B King), que morreu em fevereiro de 2005 ao cair de sua moto. Pappo ia pela estrada e seu filho, com um amigo na garupa, seguia o mesmo caminho. Por circunstâncias ainda desconhecidas, as motos se tocaram e Pappo caiu no asfalto. Nesse momento, foi atropelado por um Renault Clio que passava por ali. Morreu na hora.
Se alguém passar por esse blog, sugiro clicar e esperar carregar o vídeo. Os solos de Pappo e Botafogo garantem a visita. Podes crer! Como se diz na Argentina, ¡es un temazo!

viernes, 11 de diciembre de 2009



Menino errante agonizava no vazio
sangrava à toa
a carne maculada
pele suja, malfadada
a chaga aberta
a dor que perdura
o grito nunca liberta

Menino errante comia o sonho
mastigava e o engolia enfadonho
na lúgubre madrugada
arrastando a tonelada
da vida, da desgraça
enojada a rua o via
estremecida o vomitava

Menino errante agora ocupa o buraco
que lhe foi dado com alívio e descaso 
oh!, errante desgraçado
menino imundo
que do mundo já não faz parte
bem melhor que agora reparte
essa terra que nunca foi arte

Belo Horizonte
11/12/2009

miércoles, 2 de diciembre de 2009

O Orfeu das pranchetas, por Fabrício Carpinejar

Lindo texto de Fabrício Carpinejar publicado no blog do Juca Kfouri. Um pouco grande, mas vale a pena.
Link original: http://rolocompressor.zip.net


O ORFEU DAS PRANCHETAS
Fabrício Carpinejar

O Campeonato Brasileiro de 2009 escreve o derradeiro capítulo do livro "O Negro no Futebol Brasileiro", de Mário Filho, clássico de 1947 do irmão de Nelson Rodrigues.
O palco do épico curiosamente será o Maracanã neste domingo (6/12), no duelo entre Flamengo e Grêmio. No Maracanã, justo no estádio batizado de Mário Filho, o nome do escritor. Uma coincidência emocionante.
O protagonista é o mineiro Jorge Luís Andrade da Silva, o Andrade, ex-jogador do Mengo da geração vitoriosa dos anos 80, que formou uma das armações mais compactas e habilidosas do Brasil, ao lado de Zico e Adílio.
Andrade poderá ser o primeiro técnico negro campeão brasileiro. Foram raros, foram poucos os que regeram a casamata do estádio. Ele põe fim ao apartheid da última hierarquia do esporte. Até o exército foi mais justo antes.
Não há negros no comando dos nossos principais times. Existem preparadores físicos, assistentes, dirigentes. Mas nunca existiu um negro mandando numa grande esquadra, organizando taticamente o elenco, dando a palavra final sobre a escalação. É como se ele pudesse chefiar com a bola nos pés, não fora do campo. Como se o negro fosse um operário, vetado como engenheiro, proibido como arquiteto das emoções das arquibancadas. Como se relegasse ao negro o papel de ator, não permitindo seu desempenho como cineasta, barrando a função autoral e a inteligência operística.
Mesmo depois de Leônidas, Zizinho, Domingos da Guia, Didi, Garrincha e Pelé, o negro era um tabu como treinador dos maiores clubes. E pensar que a mudança demorou a acontecer nas planilhas. Dentro de campo, estava resolvida na década de 50. Segundo Mário Filho, o futebol passou por três grandes fases: 1900/1910 (elitização), 1910/1930 (exclusão de negros; Vasco é o primeiro time a adotá-los e lutar contra a discriminação) e 1930-1950 (ascensão social dos negros e liberdade racial).
Está caindo o último bastião do racismo no país. Acabaram as restrições.
Andrade é o Orfeu das pranchetas. Realizou uma revolução no vestiário, uma revolução de abrigo, só comparável à grandeza heroica de um Pelé fardado. Desde 2004, espera sua chance de efetivação no Flamengo. Já salvou o time da degola como interino, já foi suplente diante das demissões de Celso Roth, Joel Santana e Ricardo Gomes. Durante cinco anos, engoliu sapos, recompôs diplomaticamente suas frustrações e expectativas, aceitou passivamente os interesses das bolsas de valores. O folclore conta que Cuca o colocava para completar a barreira nos treinos, durante a cobrança de faltas.
Andrade é o principal personagem. Não será Petkovic ou Adriano. É ele. Com seu temperamento discreto, abalou a onipotência dos supertécnicos como Luxemburgo e Muricy, mostrando que altos salários não significam sucesso. É o gracioso urubu no meio das garças à beira do gramado. Abre passagem a uma nova geração de estrategistas das categorias de base. Indica que os responsáveis pela entressafra alcançam fartas colheitas. Não briga com a imprensa, não grita mais do que o normal, não arma segredos de Estado, não se escandaliza com as críticas. Difere do tom casmurro e embirrado de parte dos seus colegas e da histeria autoritária das estrelas de terno e gravata. Não é paranóico, não se vê perseguido e injustiçado nas coletivas. Tem samba no sangue, uma alegria mansa, um amor antigo pelas redes. É resolvido o suficiente para suportar qualquer pressão. Escuta mais do que fala. Porta-se com a audição de um juiz, longe da tradicional oratória de um promotor. Não é por acaso que faz acupuntura nos ouvidos.
Ao assumir o comando em julho, Andrade retirou o rubro-negro de baixo da tabela, conseguiu um aproveitamento de 72,5% em 17 jogos.
Mário Filho deve encontrar agora uma posição confortável no túmulo. Graças a Andrade, lavamos definitivamente o pó-de-arroz da pele.