lunes, 31 de octubre de 2011

Essas pessoas, Lula e o câncer



Uma das maravilhas das redes sociais – leia-se Twitter e Facebook – que mais me atraem é ver como o ser humano pode ser desprezível. Ali, naqueles espaços virtuais, ele se mostra assustadoramente patético, mostra seu lado mais vergonhoso. Digo isso pelas frases insurgentes, indignadas, como se as pessoas que as escreveram estivessem cobrando mais decência e dignidade de uma sociedade em ruínas, sobre a doença do ex-presidente Lula. Que vá se tratar no SUS, bradam aos quatro ventos na internet. Mas ele não dizia que a saúde pública neste país é uma maravilha, por que ele não se trata lá?, dizem os inteligentes e politizados de plantão. É bom que a gente não precisa mais escutar as bobagens que ele fala, diz o idiota esperando causar alguma graça. É bom para Lula aprender a ser mais humilde, tive o desprazer de ler por aí. Ele nunca se privou, nunca teve uma vida regrada, disse Lucia Hippolito, da rádio CBN, citando tabagismo e alcoolismo(!) como ingredientes responsáveis pela doença de Lula – a parte mais conservadora da imprensa também escancara sua podridão de pensamento. As opiniões de Reinaldo Azevedo – escreve para a Veja, claro! – e seus seguidores são de dar asco.

Antes de ser petista e ex-presidente, Lula é um ser humano. Não se faz piada ou ironia com a doença de alguém – tampouco com a opção sexual ou a cor da pele. Usar o mau gosto para fazer rir é artifício bobo, raso. Não se deveria fazer piada, mas se faz. Fala-se que mulheres feias deveriam agradecer se forem estupradas, fala-se de garis insignificantes do alto de suas vassouras, de nordestinos, gays e negros. E se acham engraçadinhos. Eles deveriam dizer: “viram como sou um perfeito idiota?

Quem faz ironia e piada não mostra nada além do que sua falta de solidariedade e respeito para com a dor alheia, desnuda a ausência de um mínimo de humanidade que se espera de alguém que vive neste breve e estranho século. Pensam estar fazendo um favor ao Brasil, abrindo os olhos dos ingênuos que ainda não enxergam que Lula e o PT são os responsáveis pelas mazelas de um país que tinha tudo para dar mais certo, não fosse pelos séculos de caminhos errantes. Nunca se roubou tanto neste país, vociferam por aí. Ah, esses petralhas, comentam outros acolá. Ora, o que o PT tem a ver com o câncer de alguém, seja ele Lula ou o Zé da esquina? O que corrupção tem a ver quando o assunto transcende a política? Causou-me arrepios ler algumas coisas hoje. Tristeza, mesmo. Em ver como o ser humano pode ser pequeno – não que isso seja lá uma surpresa, ou coisa que o valha.

Essas pessoas babam um ódio de classe impressionante. Lula sempre foi tratado pela elite brasileira e por quem, sendo ou não elite, carrega no peso dos sapatos um preconceito e um conservadorismo de dar inveja a quem frequenta o Tea Party, como um boçal, um nordestino ignorante, um cara que teve sorte nos tantos acertos, afinal ele herdou um Brasil de FHC nos trinques, pronto para crescer – se esquecem que o sociólogo da Sorbonne ajoelhou-se três vezes às portas do FMI. Essas pessoas não pediram que José Alencar fosse se tratar no SUS. Mas que Lula, o nordestino apedeuta, sim.

Essas pessoas não aceitam o progresso social dos últimos oito anos. Criticam o sistema de cotas em universidades públicas, acham o Bolsa Família uma simples esmola eleitoreira, populista. Mas que absurdo, onde já se viu isso? Meu filho perder vaga em universidade para um negro entrar é o fim da picada, dizem, se achando na mais perfeita razão. Essas pessoas não se conformam com o fato de Lula ser, hoje, um líder mundial de prestígio, respeitado por onde pisa. Essas pessoas são as que estão dando show de mau gosto e pequenez. Lula não merece ser julgado e execrado num momento como esse. Ninguém merece. 

Maravilhas das redes sociais - reflexo da mediocridade dessas pessoas que me fazem desconfiar que, realmente, o número de imbecis é infinito.

viernes, 14 de octubre de 2011

O que pesa sobre todos nós


Chegou para vender uma bala e acabou se sentando. Pediu um cigarro. Faltavam-lhe os dentes da frente e o suor da caminhada – imagine você o calor daquela tarde – fazia com que sua face brilhasse, realçando os contornos inglórios que a vida lhe havia imposto.

– Tá difícil, queixou-se.

Fabrício é do interior, mas está na capital há oito anos. Morou na rua por algum tempo; hoje um albergue da prefeitura é o seu lar, para onde volta todo fim da tarde, exaurido, com algumas moedas no bolso e poucas notas amassadas. Lá ele encontra a mulher e as duas filhas: uma de quatro e outra de dois anos. Ele e sua mulher têm uma filha mais velha, que lhes foi tirada pelo conselho tutelar quando eles ainda moravam na rua. A menina foi entregue para a adoção. Ela tem nove anos.

– Sei que ela foi adotada por um casal, um bom casal. A mulher não pode ter filhos, e agora eles têm a minha. Não sei mais nada. Quem sabe daqui uns anos ela não vem me ver?

Os olhos cansados, de um verde cinza, triste, se embotaram em lágrimas e a saudade não poderia ter melhor tradução do que o semblante daquele homem que aparentava ter muito mais do que sua real idade.

- Nem o telefone deles eu sei, não sei nada. Mas estão cuidando bem dela. É difícil, vai saber quando ela vai voltar, se é que um dia ela vai voltar. Ah, eu queria tanto que ela voltasse. Ela vai voltar falando diferente, né? Com outro sotaque. Tudo bem que tenho mais duas filhas, mas a primeira é diferente, né? É a primeira, cara.

Fabrício terminou o cigarro, se despediu e voltou a arrastar seu chinelo gasto pelas ruas da cidade. À medida que se afastava, deixava um rastro de dor e angústia capaz de apertar o peito de quem por ali passasse e até dos poucos pássaros que descansavam preguiçosamente nos galhos retorcidos pelo tempo.

Hoje faz um ano que Fabrício não vê sua filha.

Porto Alegre
06/10/2011