Chegou para vender uma bala e acabou se sentando. Pediu um cigarro. Faltavam-lhe os dentes da frente e o suor da caminhada – imagine você o calor daquela tarde – fazia com que sua face brilhasse, realçando os contornos inglórios que a vida lhe havia imposto.
– Tá difícil, queixou-se.
Fabrício é do interior, mas está na capital há oito anos. Morou na rua por algum tempo; hoje um albergue da prefeitura é o seu lar, para onde volta todo fim da tarde, exaurido, com algumas moedas no bolso e poucas notas amassadas. Lá ele encontra a mulher e as duas filhas: uma de quatro e outra de dois anos. Ele e sua mulher têm uma filha mais velha, que lhes foi tirada pelo conselho tutelar quando eles ainda moravam na rua. A menina foi entregue para a adoção. Ela tem nove anos.
– Sei que ela foi adotada por um casal, um bom casal. A mulher não pode ter filhos, e agora eles têm a minha. Não sei mais nada. Quem sabe daqui uns anos ela não vem me ver?
Os olhos cansados, de um verde cinza, triste, se embotaram em lágrimas e a saudade não poderia ter melhor tradução do que o semblante daquele homem que aparentava ter muito mais do que sua real idade.
- Nem o telefone deles eu sei, não sei nada. Mas estão cuidando bem dela. É difícil, vai saber quando ela vai voltar, se é que um dia ela vai voltar. Ah, eu queria tanto que ela voltasse. Ela vai voltar falando diferente, né? Com outro sotaque. Tudo bem que tenho mais duas filhas, mas a primeira é diferente, né? É a primeira, cara.
Fabrício terminou o cigarro, se despediu e voltou a arrastar seu chinelo gasto pelas ruas da cidade. À medida que se afastava, deixava um rastro de dor e angústia capaz de apertar o peito de quem por ali passasse e até dos poucos pássaros que descansavam preguiçosamente nos galhos retorcidos pelo tempo.
Hoje faz um ano que Fabrício não vê sua filha.
Porto Alegre
06/10/2011
1 comentario:
Realidades marginais.... Obrigada pala história. Abraço!
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